quinta-feira, 16 de maio de 2013

“A Escola no Divã”



Artigo do professor Geraldo Peçanha de Almeida.
A ESCOLA NO DIVÃ
A  escola  está  em  crise.  A  escola  está  triste,  deprimida,  doente.  A  escola  precisa  de  ajuda.  A escola está angustiada, mas a escola não pede socorro! Já faz algum tempo, no mínimo cem anos,  que  a  escola  não  comunga os  desejos  da  sociedade.  Sabe-se que  a  escola  nem  teria este papel.  Este dever de  estar ao lado da sociedade da qual faz parte  não pode ser o único papel  da  escola.  A  escola  pode  caminhar  um  pouco  à  frente  ou  um  pouco  atrás  de  uma sociedade  e  mesmo  assim  refletir  nela  suas  interferências.  Tudo  que  a  escola  produz  sai  da sociedade  e  volta  para  ela.  A  escola  tem  uma  incrível  capacidade  de  ouvir,  processar, reproduzir  ou  até  mesmo  transformar  os  desejos de  uma  sociedade. Provocar  então,  nem  se fala. Assim, tem-se a constatação que ao mesmo tempo é a escola fruto de um povo e utopias dele, utopias que por competências e diálogos, tornar-se-iam possibilidades.
No  entanto,  tem-se  constatado,  a  olhos  nus,  a dissociação  da  escola  com seu  tempo.  A diferença,  tanto  cronológica  quanto  utópico-filosófica,  tem  ficado  tão  gritante  que  já  não sabemos mais o que quer a escola. Se a sociedade quer sujeitos que saibam ler e interpretar aquilo  que  acessam a  escola  não  pode  mais contribuir  com isto – vide  PISA.  Se  a  sociedade quer  cidadãos  que  possam  trabalhar  em  equipes,  organizados  em  pequenos  ou  grandes grupos, não será a escola que vai ensinar isto a seus meninos e meninas – vide depoimentos dos  empresários.  Se  a  sociedade  espera  que  nela  os homens possam  conviver  com  as diferenças,  respeitando  e  suportando  as  diferenças,  não  é  da  escola  que  podem  sair  estas cabeças – vide confusão em torno do kit gay . Assim, pergunta-se: para que serve a escola então?
Seja pública  ou  privada  o  problema  não  se  difere  na  essência. Uma  nuance  diferente aqui  e outra  ali, mas o centro do  problema  tem sido, assustadoramente um só – a escola não sabe mais   nem  para  que  educar.  Os  educadores  estão  em  crise;  a  escola  está  em  crise e  os governos mundo afora estão em crise. Não tínhamos formação, hoje temos (na verdade ainda insuficiente, mas bem melhor que cem anos atrás). Não tínhamos computadores e hoje temos. Não  tínhamos  fonte  de  informação  e  hoje  temos.  Temos e  não  sabemos  como utilizar  essas ferramentas  para  melhorar  nossas  ações  educativas.  Pesquisas  sérias  apontam  que professores  não  querem  utilizar  nada  muito  trabalhoso,  seja  computador  ou  planos diferenciados de aulas. Eles querem sim, há 500 anos, usar quadro e giz e alunos enfileirados. Alguns dizem que nem é possível inovar porque escola é escola. Livros os alunos não gostam de  ler  (segundo   pesquisas),  mas meninos  e  meninas  passam  de  5  a  6  horas  diárias  nos computadores – lendo,  e  os  educadores  insistem  em  dizer  que  não  conseguem  despertar  a paixão  pelas  palavras.  Quer  dizer,  alguma  coisa  está  fora  do  eixo e  alguém  tem  que  pensar nisto  agora,  urgente,  caso  contrário  corremos  o  risco,  iminente,  de  a  escola  ser  declarada – patrimônio sem utilidade pública.
Ao invés de lançar um olhar investigativo sobre suas práticas pedagógicas, a escola insiste em se intrometer ( para não correr o risco de ser mal educado), nas questões familiares. Por todo lado  o  que  tenho  visto  são  as  escolas  fazendo  projetos  para  a  formação  de  valores (valores delas,  não  da  sociedade).  Tem  escola  que  diz  formar  um  aluno  capaz  de  transformar realidades. Tem escola jurando que com seus projetos os alunos irão salvar o meio ambiente. Tem escola até que já estruturou uma “escola de pais”. Parece até piada, mas é verdadeira a informação.  Uma  escola  que  nem  consegue  lidar  com  as  questões  de  seus  alunos (problema de aprendizagem  e  de  relacionamento humano), agora  resolveu lidar  com  os  problemas  dos pais dos seus alunos. Conheço inúmeras escolas que já possuem tutorias (Socorro Ministério público! Art. 5º do ECA nelas). Assim sendo pergunto: Que lei é esta que embasa a escola a operacionalizar  essas  ações?  Quem preparou a escola  para  tanto?  Quem disse  que  a  escola está  autorizada  a  invadir  a  família?  Quem  irá  educar  os  filhos  se  a  escola  está  educando os pais?
A  escola  concluiu  (apressadamente)  que  todo  o  problema  vivido por  seus  alunos  está justificado  pelas  supostas  famílias  desestruturas.  Assim,  segundo  ela  (escola),  se  essas instituições reenquadrarem as  famílias  os  alunos  automaticamente  chegarão  ao    eixo – ledo engano.  Acontece  que  o  que  a escola  espera  é  poder  colocar  a  família  em  padrões  que  ela supostamente  acredita  serem  os  ideais para  educar  os  filhos  destas  famílias  e  agora  as famílias.  Há  uma  inocência (ou  perversão) nesta ideia  que  chega  até  a  dar  pena  (ou  medo), pois  muitos  educadores  de  peso  aderiram  a  isto.  Há  uma  dificuldade  enorme  em  a  escola entender  que  não  tem  mais somente aquela  família  perfeita  em  que  pai  e  mãe,  íntegros e exemplares podiam construir filhos do mesmo naipe. A sociedade é múltipla como múltiplo é o universo. Diversidade já! Há uma dificuldade da escola em encarar esta frustração, que advém da não existência da  família  perfeita  e  da  sociedade  não  corrompida e  que faz-me  concluir, portanto, que é hora  de  a  escola ir  ao divã. Levemos a escola  ao  psicanalista e lá digamos a ela: fale-me de suas angústias.
Por que é tão difícil  aceitar  as  mudanças  do  tempo  e  trabalhar  com  alunos  e  famílias  reais? Por que não entender que esta é a sociedade que temos e é com esta e para esta que a escola está servindo? Por que desviar o papel da escola – gerenciar as aprendizagens com quaisquer que sejam as dificuldades dos alunos?  Por que abandonar  o  barco  na  hora  em  que  a sociedade mais precisa de conhecimento e não somente de informação? Esta constatação me faz lembrar a metáfora oriental do homem  que  tentava  matar  a  sede  com  a  água  do  mar. Quanto mais ele tomava água  mais  sede  tinha.  Assim  tenho  visto a  ação  da  escola  hoje. Quanto mais ela educar (ou  vive  a  ilusão  de  que  faz),  mais  a  sociedade  se  apresenta corrompida  (  claro  que  não  só  por  culpa  dela,  mas  também  por  culpa  dela).  Combate-se preconceito,  corrupção  e  violência  com  conhecimento. Assim,  é  preciso  tratar  a  escola,  é preciso  um  tratamento  sistêmico  e  multidisciplinar: terapeutas,  assistentes  sociais  e  médicos urgente. Diagnóstico e prognóstico para nosso mais grave paciente.
A  verdade  é  que  pais,  sociedade  e  famílias  em  geral  podem  colaborar  com  educação  formal, mas  o  prioritário  do  processo  ninguém  vai  tirar  da  escola.  É  a  escola  a instituição  social  que nós, sujeitos-cidadãos, empodeiramos para educar nossos filhos. Porém, se a escola não pode ou não quer mais fazer isto, seria melhor cuidarmos de sua saúde biopsicossocial, pois do jeito que  estamos  indo  e  o  ponto aonde  chegamos  não  tem  mais  solução  se  não  fizemos, urgentemente  uma  bateria  de  exames  a  fim  de  descobrir  o  que  está  acontecendo. Chek  up nela.
Conheça mais sobre o trabalho do professor Geraldo no website:  www.geraldoalmeida.com.br

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